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Enade: Professor Leonardo Campos versa sobre Globalização e Política Internacional

Inflação: nós sentimos e vivenciamos cotidianamente, mas nem sempre sabemos explicar o que é e como funciona.

Foto: Arquivo pessoal

Professor Leonardo: sobre Globalização e Política Internacional, você começou a sua apresentação sem trazer conceitos, mas ilustrando este processo por meio da fabricação do Iphone, produto da Apple muito popular no mundo inteiro.

O Guia do Estudante tem um vídeo maravilhosamente didático, material que sempre uso em minhas aulas. Vamos ao básico do conceito: a Globalização é um fenômeno do modelo econômico capitalista que consiste na mundialização do espaço geográfico, tendo a interligação econômica, política, social e cultural em âmbito planetário como meio para seu estabelecimento. Uma maneira de entendermos a Globalização é traçando uma analogia com um produto bastante cobiçado em nossa cultura do consumo: o iPhone, criado pela empresa estadunidense Apple, objeto que é produzido na China, com matéria-prima de diversos locais do mundo, inclusive Alemanha e República do Congo, produto que pode ser comprado no mundo todo e traz, em seu sistema, aplicativos elaborados por startups localizadas em pontos geograficamente distintos do planeta. Diante do exposto, nós podemos dizer que a Globalização é o esquema de integração mundial em termos sociais, políticos, econômicos e também tecnológicos. Com o vertiginoso advento de novas tecnologias na seara do transporte e da comunicação, as relações entre diversas partes do mundo tiveram no tempo e em suas distâncias, uma diminuição considerável. De volta ao exemplo do Iphone, a globalização criou uma extensa cadeia produtiva integrada entre os países, afinal, um produto de uma marca estadunidense pode ser produzido por intermédio de uma fábrica na África, local que usa tecnologia oriunda da China, e vice-versa, podendo ser vendido em locais do continente europeu ou na América do Sul. Diversas empresas multinacionais e transnacionais dividem suas sedes, bem como o seu capital, por diferentes centros comerciais. Ademais, entre matéria-prima e componentes, o cobiçado iPhone é um produto feito de metais, microchips e vidro, materiais que custam para a Apple, em média, 22% do custo de fabricação, num processo de geração de lucro que não é repassado de maneira equalizada para todos os participantes desta cadeia.

Então, para os nossos estudantes leitores, conceitua a Globalização e comenta sobre os seus processos?

Falar sobre Globalização também requer refletir os desdobramentos do neoliberalismo em nossa sociedade, um sistema excludente, modelo econômico que preconiza o crescimento da riqueza dos mais ricos e o aumento da pobreza dos mais pobres. Pensar Globalização também requer dialogar com a internacionalização de culturas e suas ressonâncias, tais como o espalhamento rizomático de estereótipos, como podemos ver, por exemplo, do Brasil, em filmes como Anaconda, Sabor da Paixão ou no famoso episódio dos Simpsons no Brasil. Ademais, pensar a Globalização é refletir sobre o que está estabelecido na cultura e os nossos comportamentos de consumo: as camisas de marcas importadas que usamos, o smartphone da Apple, mencionado na pergunta da abertura desta entrevista, o acesso aos streamings Netflix, Prime, Star, dentre outros. A privatização de empresas, os meios de comunicação, os desdobramentos das eleições presidenciais de 2016, nos Estados Unidos, por exemplo, e as suas ressonâncias no trágico resultado de 2018, no território brasileiro, são ilustrações para reflexão sobre a Globalização. Outros tópicos para pensar globalização: o papel fundamental de órgãos como OMC, FMI e ONU nas Relações Internacionais, a virtualização e crescimento de multinacionais, o surgimento dos blocos econômicos e suas condições para comercialização entre seus membros, tais como NAFTA, MERCOSUL, além dos debates sobre ocidentalização do mundo, intolerância diante do imperialismo cultural, os riscos da soberania dos Estados diante das dinâmicas globais, em especial, no que diz respeito aos seus respectivos lugares de conforto no jogo político internacional, bem como os perigos do aumento da concorrência, e a ilusão da redução de custos dos bens de produção num mundo marcado também pela complexidade do desemprego estrutural e aumento vertiginoso da inflação.

Quando associada com as discussões sobre Política Internacional, como você organiza o direcionamento para debates?

Basicamente, falar de Política Internacional é debater as relações de poder entre os Estados-Nação que compõem o nosso planeta, bem como as transformações sociais, econômicas e culturais em nível nacional, regional e global. Devemos pensar que a Política Internacional nos ajuda a compreender os trânsitos do poder nessa realidade tão ampla e diversificada que é o nosso cenário internacional, afinal, poucas vezes na história da Humanidade, a natureza dinâmica da política internacional foi tão evidente e vertiginosa quanto agora. Falando em termos mais gerais, do desfecho da Guerra Fria, aos avanços dos anos 1990 na comunicação, os debates sobre aquecimento global, conflitos entre nações e o atual advento da pandemia da Covid-19 nos dão abundantes materiais para pensarmos as relações entre Política Internacional e Globalização, tema do encontro que originou esta entrevista. Refletir a Política Internacional requer analisar as relações políticas e problemas de paz entre nações, tendo como foco compreender a luta e o uso do poder entre as nações, afinal, geralmente todas as ações no campo das Relações Internacionais levam em consideração um componente de Política Internacional para que isso aconteça: negociação, cooperação, influência, persuasão e o uso da força estão entre as possibilidades. Ademais, a Política Internacional é integrante de um sistema amplo e complexo de relações que contempla as relações políticas, econômicas, culturais, sociais, históricas, geográficas, dentre outras, entre os países. Ao representar um campo de reflexão sobre a luta pelo poder entre os países, a Política Internacional abarca a busca da hegemonia e controle de tecnologias, de recursos, de território, dentre outros, um tópico temático que está presente em nossas vidas de maneira mais intensa que imaginamos.

O que você quis dizer especificamente quando afirmou que a Globalização é ambígua?

Como mencionado antes, a Globalização traz processos positivos e negativos, tendo crescido cada vez mais com a ascensão e evolução constante do sistema capitalista. Pensar este processo é refletir sobre as nações e seus projetos econômicos, em busca de ampliação de mercado, negócios e aquecimento das relações internacionais. É também pensar o fortalecimento do neoliberalismo. Ademais, alguns teóricos expõem que com os processos de Globalização, temos a dissolvidas identidades sociais tradicionais, com normas internacionais que tendem a se centrar no direito dos indivíduos, e não nos dos Estados, dispositivo que também sofre ameaças do envolvimento de organizações internacionais, transnacionais e dos estados desenvolvidos nos assuntos internos dos menos desenvolvidos, situação que se estabelece como um desafio à soberania destes Estados. Dentre as principais categorias sobre a Globalização, podemos destacar a política, a cultura, tecnologia e economia. No caso político, temos a emergência de movimentos sociais transnacionais, mas também maior percepção de riscos globais, tais como expansão do terrorismo, da poluição e do HIV, por exemplo. No caso cultural, temos muitas áreas urbanas partilhando uma cultura semelhante em paralelo com a homogeneização do mundo, com as diferenças entre as pessoas diminuindo. No campo tecnológico, temos as revoluções nas comunicações, processo que altera as noções dos grupos sociais que trabalhamos e vivemos, em paralelo com as noções de espaço e tempo cronológico colapsadas com a abrangência da velocidade dos meios de comunicação. Economicamente, temos argumentos que reforçam a Globalização como uma nova e próspera era da Política Global, mas a velocidade nas transformações se torna difícil para os Estados acompanharem e controlarem as suas economias, dispositivos que se tornaram cada vez mais interdependentes. Olhando todos estes pontos de maneira panorâmica, nos perguntamos: o que é positivo e o que pode ser considerado negativo nesta dinâmica?

Durante a sua exposição, ao versar sobre repertório cultural, apresentou quatro filmes sobre processos de Globalização e Política Internacional. Pode descrever para os nossos leitores as pontuações que fez em sua palestra?

O repertório de filmes sobre o assunto é gigantesco, mas por questões didáticas, selecionei quatro narrativas para indicação. A primeira delas é A Grande Aposta, um drama sobre os desdobramentos da crise econômica de 2008, um turbilhão financeiro global, iniciado nos Estados Unidos. A crise, aqui, demonstra-se contagiosa, tal como a interconectividade dos produtos, serviços e informações que cruzam rapidamente o mundo inteiro. A Soma de Todos os Medos também é uma opção interessante, pois flerta com os debates sobre terrorismo, numa trama envolvente sobre uma bomba nuclear implantada no Super Bowl, evento que demarca o final da liga de futebol estadunidense, um lugar ideal para causar estragos e chocar o mundo inteiro pela violência latejante diante dos conflitos latejantes entre Rússia e Estados Unidos. O Jardineiro Fiel nos apresenta uma narrativa que já é global desde a sua concepção: roteiro estrangeiro, diretor brasileiro, elenco de diversas partes do mundo, todos em prol do desenvolvimento de uma trama sobre um diplomata que investiga o assassinato de sua esposa e descobre uma rede de relações entre o governo britânico e as companhias farmacêuticas, mergulhados nos absurdos da testagem de medicamentos em populações vulneráveis, os reflexos das desigualdades sociais promovidas pela Globalização. Por fim, O Senhor das Armas também é bastante interessante, ao refletir sobre um traficante de armas que comercializa itens de um arsenal disponível por meios escusos após o desmembramento da União Soviética, tornando-se um milionário com o desfecho da Guerra Fria. Vale lembrar que drogas e armas são os itens mais lucrativos em nosso mercado global do tráfico.

Em todos os encontros, você ressaltou a conexão entre os tópicos de Conhecimentos Gerais e hoje não foi diferente, em especial, no momento de associação entre Globalização e Política Internacional, com o conceito de Estado, trabalhado anteriormente. Comenta para os nossos leitores as especificidades deste momento da palestra?

Quando versamos sobre Estado, precisamos nos lembrar das noções de soberania, territorialidade e autonomia. O Estado-Nação possui comunidades políticas com fronteiras fixas, já o globalizado possui fronteiras e territórios importantes, mas transcendidos por uma nova geografia do poder político, isto é, envolto em redes transgovernamentais e Organizações Internacionais. No que tange aos elementos da Soberania, o Estado-Nação tem, dentro de suas fronteiras, autoridade suprema e exclusiva, algo relativizado na dinâmica globalizada, pois a autoridade do Estado no seu território é partilhada com outras entidades, tais como as mencionadas Organizações Internacionais. Já no que concerne ao processo de Autonomia, os Estados como unidades autônomas de atividade política, econômica e social separam as fronteiras do que é doméstico e internacional, sendo que na dinâmica globalizada, os Estados colaboram e cooperam entre si para atingir objetivos domésticos, a autonomia do Estado, assim, está comprometida pela crescente interdependência política e econômica. O Estado, na dinâmica global, ainda está lá, mesmo que diante de tantas alterações. Continua zelando pelo nosso bem-estar e segurança, possuindo monopólio para agir em nome de seus próprios interesses.

Com aquelas charges, a sua palestra ficou ilustrada com muita eficiência. Podemos trazê-las para os nossos leitores, para que você fizesse uma breve análise?

Sempre que apresento charges, gosto de conceitua-las para o meu público. A charge é um elemento de grande incentivo na dinâmica de ensino-aprendizagem. Encontramos esse tipo de material crítico em vestibulares, nos livros didáticos, quando abrimos um jornal ou revista, impresso ou virtual, conteúdo humorado que geralmente traz em sua estrutura uma reflexão sobre acontecimentos contemporâneos, voltados ao nosso contexto social, político, bem como outras interfaces das relações humanas. Algumas possuem legendas e balões, outras apenas a imagem. Em linhas gerais, independentemente de suas especificidades, as charges se propõem a analisar algo e estabelecer um ponto de vista reflexivo em seu enunciado. As duas charges apresentadas dialogam com os desdobramentos ambíguos da Globalização, em linhas gerais, abordagens críticas deste processo que é interessante para os avanços das sociedades que compõem o planeta, mas também traz seu lado amargo. Desigualdade social é o principal direcionamento das análises, pois ambas refletem o quão os processos globais são demarcados por avanços, mas também retrocessos no bojo dos Direitos Humanos.

Para finalizarmos, você trouxe um ponto muito interessante sobre inflação, algo do contexto econômico que todo mundo ouve falar, mas pouquíssima gente sabe o que é. Associa isto ao constante desinteresse da população por leitura?

Sim, tem muito a ver com a falta de acesso aos Conhecimentos Gerais de uma população que acredita ser este assunto, uma especificidade dos estudantes e especialistas em Economia. Mas não é, pois nós, cidadãos comuns, estamos na linha de frente dos impactos oriundos da inflação, prova disso é a alta dos preços das mercadorias consumidas no mercado, por exemplo, afinal, quem ainda não se assusta ao comprar café por quase 10 reais atualmente, sendo que há alguns poucos anos, pagávamos menos da metade para um produto da mesma marca? É algo assustador, que envolve todo mundo, por isso, como conhecimento é poder, saber ao menos o básico nos ajuda a entender processos e parar de falar bobagem ou ficar de fora de uma discussão sobre ou tangencial ao conceito em questão. Em linhas gerais, a inflação é um conceito que traduz o aumento generalizado de preços de bens e serviços, um termo da economia para designar o aumento do custo de vida e os obstáculos diante do nosso poder de compra. Para quem pensa que é só café, gasolina, açúcar, engana-se, pois a inflação acomete também os nossos alugueis, as mensalidades de todo tipo, dentre outros. É ainda mais drástica quando aumenta em velocidade maior aquela que pode ser absorvida, transformando o nosso cotidiano num caos financeiro. Segundo os especialistas, há quatro grandes motivos para o estabelecimento da inflação: aumento da demanda diante de um produto, aumento ou pressões nos custos de produção, inércia e expectativas inflacionárias e aumento de emissão de moeda. Quando uma determinada matéria-prima fica mais custosa, a indústria que disponibiliza determinado produto repassa os custos para o consumidor. É um assunto amplo, cheio de complexidades, mas que pode ser entendido direitinho dentro da rotina de leitura de uma pessoa interessada em saber os rumos de suas finanças nas demandas do cotidiano.

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