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ENADE: Professor Leonardo Campos versa sobre Relações de Desigualdade e Opressão na Sociedade

Olá estudante, como estão os estudos?


Foto: Arquivo pessoal

Professor Leonardo: a palavra-chave deste encontro foi “capitalismo”. Pode explicar para os nossos estudantes as suas escolhas no direcionamento da palestra?

O capitalismo é um sistema conhecido por sua exploração. A sua ascensão, posterior ao esquema de queda do feudalismo, veio com as Grandes Navegações e colonização de diversos lugares do mundo, inclusive o Brasil, explorado por Portugal durante vários séculos. Seres humanos vistos como mercadorias, numa sociedade que ainda na contemporaneidade, demonstra resultado de muitas lutas diante das contradições das relações entre classes. Essa é a dinâmica do capitalismo, espaço de reforço para a elevação social de quem domina os meios de produção em detrimento dos explorados, subalternizados, indivíduos que se entrecruzam, pois entre os dominados, temos questões de classe, raça/etnia, orientação sexual, dentre outros. Não sendo apenas um padrão de produção, mas um amplo, complexo e expansivo processo que envolve questões históricas, sociais, políticas e econômicas, é necessário que o mundo seja explorador, opressor e desigual, para que a máquina capitalista prospere e continue as suas demandas, estruturando-se no racismo e na força do patriarcado para garantir a sua continuidade. A selvageria do capitalismo é algo estrutural, tal como o racismo e a homofobia. Neste sistema de acumulação, as relações são engendradas pela mediação da mercadoria, com as necessidades humanas sendo substituídas pela produção de “coisas”. Basicamente, uma classe domina os meios de produção do trabalho e a outra, majoritária, apenas a força de trabalho.

Desta vez, você trouxe um conceito aparentemente complexo para quem não é das Humanidades: o materialismo histórico dialético. Pode explanar para os nossos leitores relacionando com a linha temática do ENADE trabalhada no encontro?

Para falar de materialismo histórico, decidi trazer um mapa mental, meu recurso predileto para amplificar as possibilidades de compreensão e assimilação dos conteúdos tão vastos como estes de atualidades para o ENADE. É uma estratégia assertiva, também, pelo fato de ajudar na conexão das 13 linhas temáticas debatidas nestes encontros. Se observarem, os estudantes perceberão que os conteúdos se conectam entre si, como na matemática, um assunto puxando o outro. Em linhas gerais, o materialismo histórico dialético é uma doutrina filosófica que reflete o desenvolvimento histórico e a transformação social que ocorre por meio dos conflitos de interesses das diferentes classes sociais. Nesta doutrina, compreende-se a realidade a partir da matéria, deixando de lado quaisquer concepções que existam independentes do mundo material tais como a ideia de alma, de mundo ideal, espiritual ou divino. Sendo assim, o materialismo histórico entende que as relações sociais na qual estamos inseridos são, em grande parte, elaboradas pelas relações econômicas de produção, bem como pelos mecanismos que formam as necessidades humanas. Sendo assim, para entender a doutrina, é preciso refletir sobre os meios de produção e as contradições sociais contidas na trajetória da evolução humana, caminho para entendimento do ser humano em sua vida social e em sua expressão cultural. Conforme exposição dos teóricos e especialistas no assunto, para Karl Marx, criador desta doutrina filosófica, “o trabalho representa qualquer atividade onde o ser humano transforma a natureza para a realização de suas necessidades, seja na construção de uma casa ou uma roupa como abrigo, como na construção de uma arma como defesa, ou até mesmo um instrumento musical como entretenimento” (trecho lido pelo entrevistado em uma de suas anotações). Neste processo, se estabelecem as relações de poder, desaguando nas dinâmicas de desigualdades, opressão e exploração entre detentores do capital e subalternizados.

Um ponto muito interessante do encontro foi o destaque que deu para as propostas de intervenção em questão discursivas. É muito comum o candidato se esquecer desta parte na elaboração de seus textos na avaliação?

Muitos candidatos conseguem escrever acima do razoável ou até mesmo estruturas textuais ótimas, mas esquecem das propostas de intervenção. Ficam apenas no clichê sobre as obrigações do Estado, alegando que o governo deveria “isso e aquilo”. É preciso ir mais adiante. Para esta temática, por exemplo, espera-se que a escrita delineie a importância de espaços de pesquisa e estudos sobre o sistema capitalista, patriarcal, heterossexista, racista, bem como a inclusão de reflexões sobre exploração de classe, sexo/gênero, etnia/raça, não apenas de maneira transversal, nos conteúdos curriculares educacionais. Cabe também as ações em diversos setores da sociedade, a importância da mídia jornalística e publicitária, dentre outros. A proposta de intervenção visa avaliar o senso crítico e a capacidade do candidato em reconhecer os elementos que compõem a cidadania, por isso, é preciso sair do básico e escrever algo que seja mais abrangente, no entanto, crível, possível de ser exercido, nem que seja no campo das ideias.

Sobre as desigualdades, explorações e opressões raciais, você recortou com destaque para a coleção Feminismos Plurais, organizada por Djamila Ribeiro. O que cada um dos livros traz de reflexão para os nossos estudantes?

Coordenada por Djamila Ribeiro, esta coleção traz oito livros de autores diferentes. Cada um deles, de maneira didática, explica um determinado conceito dentro da dinâmica racial complexa que vivemos no Brasil, uma pátria que costumo chamar de segregada, a viver constantemente a utopia do mito da democracia racial. O esquema infiltrado do racismo não apenas por pessoas e suas motivações pessoais, mas na cultura e nas instituições, é o tema de Racismo Estrutural, assinado por Silvio Almeida. Djamila Ribeiro assume Lugar de Fala, livro que desmitifica a ideia de sujeitos universais numa sociedade eurocêntrica e patriarcal. Sidnei Nogueira é o autor de Intolerância Religiosa, publicação que passa pelas opressões desde a Idade Média e o Nazismo, para refletir sobre a dominação religiosa que acompanha a humanidade há eras. Encarceramento em Massa, de Juliana Borges, retrata a situação das mulheres negras e o Sistema Judicial punitivo brasileiro, com severas críticas ao mito da democracia racial brasileira, celebrado no mundo inteiro, de maneira equivocada. Joice Berth assina Empoderamento, parte integrante da coleção que reflete a necessidade da conscientização e a aplicação prática deste conceito no cotidiano das mulheres e homens negros. Interseccionalidade, de Carla Akotirene, debate os dilemas deste termo diante das mulheres negras, integrantes de uma sociedade racista e patriarcal, pessoas que atravessam obstáculos adicionais, por exemplo, quando se discute a questão da opressão e exploração feminina em nossa sociedade. A mulher negra, periférica e lésbica, em tese, não passa por maiores percalços que as mulheres brancas? O esvaziamento dos símbolos de uma cultura apropriada pelos colonizadores dominantes é o tema de Apropriação cultural, de Rodney William, um livro que critica o processo predatório de apropriação no capitalismo. E, por fim, mas não menos importante, Colorismo, de Alessandra Devulsky, retrata as questões acerca da compartimentação do racismo, entre pessoas negras de pele mais clara e os negros mais retintos, num debate interessantíssimo para pensarmos as facetas tenebrosas e variadas do racismo em nossa sociedade. São livros que integram uma coleção, mas podem ser lidos dissociados, vendidos, inclusive, separadamente.

Sobre gênero, interessante a abordagem da Conferência de Yogyakarta, de 2006, encontro que promoveu debates entre diversas nações sobre identidade de gênero e sexualidade, um tópico temático bastante confuso para muitas pessoas e importante para reflexão sobre desigualdade, opressão e exploração.

Eu mesmo ainda tenho algumas dificuldades, pois estas discussões estão sempre em transformação. Achei interessante e muita gente se identificou quando um dos participantes comentou que na época dele, só se falava em termos pejorativos, tais como “viado”, “sapatão” e “gilete”, ou seja, aquela pessoa que “corta dos dois lados”. Acredite, é o pensamento de muita gente ainda. Fui me aprofundar para trazer as concepções. Primeiro, comecei com a explicação sobre orientação sexual e identidade de gênero. No primeiro, temos designado à capacidade de cada pessoa de ter uma atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou por mais de um gênero, assim como ter relações intimas e sexuais com essas pessoas. No segundo, temos designado a experiência interna e individual de gênero de cada pessoa, algo que pode ou não corresponder ao sexo atribuído ao nascimento, incluindo o seu senso pessoal sobre o próprio corpo, tendo a possibilidade de haver mudanças corporais por meios médicos e cirúrgicos, dentre outros, além das mudanças de expressões de gênero, o que inclui vestimentas, modo de falar, maneirismos, etc. São expressões de caráter político, que definem o modo como estes indivíduos atravessam os espaços da sociedade e, neste processo, se expõem diante de situações das mais variadas envolvendo opressão, exploração e desigualdade. Um homossexual, digamos, mais “durinho”, como popularmente se fala, sofre mais ou menos que uma pessoa transexual ou uma travesti? Quem conseguiria uma oportunidade de trabalho num processo seletivo? É mais ou menos dentro desta linha de pensamento que trouxe as definições para elucidar as ideias dos estudantes.

Na dinâmica brasileira, como as identidades de gênero e orientações sexuais e performance de gênero estão socialmente estabelecidas?

Aqui temos as seguintes denominações: homossexual é a pessoa que tem atração física, sexual, afetiva e emocional por pessoas do mesmo gênero. O bissexual é a pessoa que se atrai por pessoas do gênero masculino e feminino, tendo relações concomitantemente ou separado. O heterossexual é a pessoa que tem atração por pessoas do gênero oposto. O queer, termo emergido do movimento político homônimo, instalou críticas ao caráter fixador e determinista das identidades e, atualmente, expressa as pessoas que vivem de maneira fluida, sem ancoragem em padrões estabelecidos biologicamente e na cultura. Transexual é a identidade da pessoa que processa a construção entre sexo e gênero ultrapassando a determinação social atribuída ao nascimento. Travesti é a identidade da pessoa que, tendo nascido com pênis, constrói todo um alinhamento entre sexo e gênero que ultrapassa a determinação social atribuída ao nascimento, sendo uma perspectiva feminina. É uma das identidades que mais sofre condições de desigualdade, opressão e exploração. Cisgênero, um dos termos que mais confundia os participantes, traz a pessoa que constrói seu alinhamento com base na determinação social atribuída em seu nascimento. Intersexual é a pessoa que corporifica ambos os sexos, por meio de condições cromossômicas, hormonais ou genitais. Já no campo da performance, temos a definição de binário, isto é, característica de gênero que parte da expressão de cada individuo sobre suas experiências de masculinidade e feminilidade e não-binário, características performática do gênero a partir da qual cada individuo expressa a sua experiência sem se fixar a um padrão masculino ou feminino, tendo a possibilidade de transitar entre gêneros ou estabelecer um modo nem feminino nem masculino de se comportar. Em nossa sociedade focada na ideia sobre meninos vestirem azul e meninas trajarem rosa, estas concepções criam confusão para aqueles que se dizem tradicionais (e hipócritas não assumidos), reforçando situações de desigualdade e opressão.

Os infográficos dominaram o encontro, com exposição de muitos dados. Quais as suas dicas para o estudante que precisa interpretar este gênero visual e bastante recorrente na mídia e em processos avaliativos contemporâneos?

Como já comentei em encontros anteriores, os infográficos são conteúdos visuais que apresentam tanto de textos verbais, quanto não-verbais, elementos que podem variar entre imagens, ilustrações, pictogramas, dentre outros, numa mescla entre texto, recursos visuais e design, na qual um complementa o outro, com o objetivo de sempre melhorar a compreensão do leitor.Importante observar que não é apenas a informação textual o elemento responsável por transmitir conhecimento, uma vez que estamos nos referindo a um trabalho em conjunto desses elementos, repleto de dados para interpretação do estudante. É um recurso que utilizo com bastante frequência, pois ajuda a compactar uma quantidade enorme de informações por meio de uma imagem objetiva e, quando bem feita, atraente para a pessoa curiosa. Para este encontro, trouxe uma visão panorâmica do capitalismo e suas fases, indo desde os primórdios, com a queda do sistema feudal e a ascensão das atividades mercantis, passeando pelas revoluções industriais e tecnológicas, bem como tópicos destaques, como a crítica ao processo de precarização do trabalho, o surgimento do neoliberalismo, dentre outras peculiaridades, com ilustrações de imagens atribuídas aos filósofos e cenas de filmes, como a crítica de Charles Chaplin, no clássico Tempos Modernos. Dali, o estudante lê, interpreta as conexões com setas e linhas, estabelece a sua reflexão sobre o assunto e sabendo conectar os pontos, responde tranquilamente a qualquer questão avaliativa.

Para o nosso encerramento, traça um panorama dos filmes e livros sugeridos no encontro, produções que fazem parte do seu constante projeto de ampliação do repertório cultural de nossos estudantes?

Filmes são objetos de aprendizagem concreta. Uma maneira assertiva de refletir sobre determinados tópicos temáticos e ampliar o senso crítico. Para este encontro, indiquei Estômago, dirigido por Lusa Silvestre, uma narrativa sobre a saída de um nordestino de sua região para tentar prosperidade em outra localidade do país, figura ficcional que se desaponta com as opressões regionais, patriarcais e as tenebrosas condições precárias de trabalho. Temos também 7 Prisioneiros, de Alexandre Moratto, filme produzido por Fernando Meirelles, drama que reflete um tópico temático absurdo, mas corriqueiro na contemporaneidade: a escravidão disfarçada de trabalho e o tráfico de seres humanos, pontos cruciais para discussão sobre relações de desigualdade, opressão e exploração. O Patrão: Radiografia de Um Crime, produção argentina, nos apresenta a trajetória de Hermógenes e Nora, um casal que parte para Buenos Aires em busca de oportunidades, passa a morar numa das dependências do açougue do chefe que não paga salário fixo, num panorama de situações embrutecedoras que nos mostram como a humilhação pode transformar e entorpecer pessoas em condições subalternizadas. Vinhas da Ira, inspirado no romance de John Steinback, também é uma ótima opção para refletir sobre condições precárias e de exploração de trabalhadores, numa narrativa que possui traços comparativos com Vidas Secas, de Graciliano Ramos, bem como o filme de Nelson Pereira dos Santos. São muitos filmes, livros e demais produções culturais para pensarmos o assunto, cabe também ao estudante buscar as suas referências para amplificar a sua rotina de estudos.

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