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O Legado e o Impacto Cultural de Vidas Secas, de Graciliano Ramos

Uma entrevista sobre o legado e o impacto cultural de Vidas Secas, de Graciliano Ramos




Professor Leonardo Campos: no título da sua aula, você utiliza os termos legado e impacto cultural para falar sobre o romance de Graciliano Ramos. Como tais conceitos são explicados aos estudantes participantes?

Legado está conectado com aquilo que foi deixado por alguém. Impacto Cultural eu explico associando com a ideia de legado, delineando para os estudantes qual a pertinência deste romance na contemporaneidade, o quanto a publicação impactou a cultura da época, gerando imitadores, influenciados, artistas que encontraram ressonâncias de Vidas Secas em suas realizações artísticas. Por qual motivo o romance está constantemente presente nos vestibulares e concursos? Esgotamos as leituras desta obra de Graciliano Ramos? Sigo esta linha de raciocínio, contemplando ainda os filmes, estudos acadêmicos, reportagens jornalísticas que utilizam a estrutura do romance para falar sobre a seca. É esse o meu caminho.

Então, conta para os nossos leitores: o que faz Vidas Secas ser tão especial?

É uma demonstração do estilo conciso de Graciliano Ramos, um escritor que consegue versar sobre uma temática do tipo sem cair nos excessos do discurso panfletário. A humanização de Baleia, o desenvolvimento de Sinhá Vitória, a construção psicológica de Graciliano Ramos e a linha circular dos acontecimentos, muito próximas ainda de questões sobre desigualdade social e ausência de direitos humanos básicos, numa conjuntura social capitalista que preza, com alguns disfarces, pela ascensão de grupos privilegiados em prol da miséria alheia. A genialidade na concepção dos capítulos como contos que podem ser lidos dissociados do conjunto, dentre outras peculiaridades que devem ser mencionadas nas próximas perguntas que você, como observador da aula, preparou pra mim.

Dos romances de Graciliano Ramos, em sua fala, Angústia foi mencionado constantemente, como se fosse, talvez, o seu favorito.

Eu sou completamente apaixonado por Angústia, pois foi o romance de minha apresentação final da disciplina Literatura Brasileira Contemporânea, no Instituto de Letras, da Universidade Federal da Bahia. Lembro que trabalhava no shopping, como vendedor, e nos momentos de pausa, corria para ler um trecho e outro do livro, além das investidas no caminho de casa e na hora dos estudos. Eu me lembro de cada passagem, marcou muito, como já dito. A história de Luís da Silva é muito forte, de uma intensidade absurda, um flerte com diversos elementos psicológicos que tornam a história demasiadamente envolvente. Trabalho Vidas Secas como obra de extenso legado e impacto cultural, muito importante para os estudantes do Ensino Médio, mas confesso que Angústia é a minha leitura predileta de Graciliano Ramos.

Então, nos revela os procedimentos para preparação deste encontro sobre o romance Vidas Secas e o Romance de 30?

Primeiro foi preciso introduzir, anteriormente, as fases anteriores do modernismo brasileiro. Depois, indicar alguns vídeos, algo que seria trabalhado no dia do encontro. Fiz tudo no esquema de sequência didática. Na porta, tinha um cartaz com a programação por etapas. O que aconteceria 14 horas, 14 horas e 30 minutos, 15 horas, etc. Na sala especial de eletrônica que a coordenadora Luciana Monteiro e a assistente de coordenação Tâmara Vieira me concederam horas antes, fiz um mural com algumas fotos de Evandro Teixeira, utilizadas na edição de 70 anos do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Lá, criei um espaço de exposição, como se ali fosse um espaço cultural formatado para recebê-los e coloca-los em imersão com o tema. Uma apostila com os tópicos da aula foi entregue, uma mesa com os filmes sobre o sertão foi organizada, com DVDS para jovens que sequer conhece essa mídia, adaptados ao streaming que domina o contemporâneo. Roda de conversa, leitura de trechos de obras do romance de 30, exibição de vídeos e o acompanhamento dos slides, além da realização de Caça Palavras e Palavras Cruzadas dominaram as outras atividades do encontro, tudo preparado, pessoal, alguns dias antes, com bastante cautela e muito, mas muito trabalho.

Poderia delinear para os nossos leitores o que foi exatamente o Romance de 30?

O romance de 30 é definido como a segunda fase do Movimento Modernista Brasileiro. O Manifesto Regionalista, de Gilberto Freyre, publicado em 1926, reclamava da exclusividade dos holofotes literários voltados ao esquema de produção do Rio de Janeiro e de São Paulo. Graciliano Ramos está associado, pela crítica literária, ao período, tal como José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, os autores de A Bagaceira, Cangaceiros e O Quinze. Não são os únicos escritores deste momento, mas os mais citados e trabalhados em minhas aulas. Escreveram sobre o Ciclo do Cangaço, as celeumas da seca nordestina, etc.

Uma coisa bastante interessante do encontro: foi possível observar que os estudantes compreenderam a cenografia e o estabelecimento do clima “especial” da aula, sem que você precisasse explicar isso ao público.

Fiquei extremamente satisfeito. Sacaram que investi na iluminação que brinca com os estereótipos sobre as imagens do sertão, um espaço formatado historicamente. Os copos do nosso café de confraternização, laranja e verde, remetem ao clima e a vegetação do território nordestino, a luminária de cacto ao lado do DVD dos filmes sobre a temática sertaneja. Foi tudo elaborado com muito cuidado. Até as tachas do mural de fotos tinham a cor escolhida detalhadamente, coisa de crítico de cinema e professor do curso de Cinema, na UNIFTC. Penso nestes detalhes, design de produção é um assunto que me interessa e parte das minhas preocupações até quando organizo as minhas coisas pessoais em casa.

A sua aula contemplou fotografia e Graphic Novel, geralmente os professores de Ensino Médio ficam com pinturas e, talvez, alguma associação com cinema. Acredita que tocou os participantes?

Também tivemos pintura na aula, você não viu? (risos). E cinema também, a tradução de Nelson Pereira dos Santos para Vidas Secas, no auge do Cinema Novo. A Graphic Novel foi apresentada em trechos, juntamente com uma análise minha publicada no portal Plano Crítico. Os estudantes desta geração estão acostumados com o formato que lembra as Histórias em Quadrinhos, tendo como diferencial a maturidade da estrutura deste estilo. Cores, diálogos, dentre outros aspectos foram trabalhados, para tentar fazer com que eles compreendam que ali é uma interpretação de um determinado autor sobre a obra de outro, saindo de um ponto de partida e indo para o campo da reflexão. Sobre as fotografias, fiz uma exposição com 10 fotografias de Evandro Teixeira, presentes na edição comemorativa dos 70 anos de Vidas Secas. Antes, já tinha entregado um texto leve, como tutorial, indicando caminhos para a análise de uma fotografia.

Além da análise do romance, você trouxe outros elementos costumeiros em suas incursões em sala de aula: as charges e o uso de vídeos.

Charge é essencial para interpretação. Seus recursos contextuais, textuais e semióticos permitem que o estudante tenha uma abrangente perspectiva para refletir. Mas, como já dito em outras entrevistas sobre educação, acredito que tenha de ser associado com textos motivadores, dentre outros elementos trabalhados na aula, para não ficar solto, sabe? Aquela coisa do “o que você compreendeu?”. Ademais, o uso de vídeos é um projeto novo meu, chamado Na Sala de Aula e no Youtube, aposta que já apliquei com sucesso em Meio Ambiente e Linguagens, dentre outros temas. Seleciono os vídeos no canal, assisto e crio as questões, insiro charges e infográficos e levo as questões para debatermos na sala de aula. Fica melhor que indicar o vídeo e pedir que o estudante assista aleatoriamente, sem uma conexão amarradinha com a aula.

Pelos slides, podemos observar uma preocupação em detalhismos, sem deixar que a aula ganhe um possível ritmo monótono. Como faz para garantir que os estudantes consigam melhorar na interpretação de questões objetivas, algo que pelo observado nos depoimentos dos participantes, é um dos maiores desafios?

É algo complicado, pois interpretar depende do ritmo de leitura dos estudantes e em qualquer sala de aula, temos a heterogeneidade dominando. Tem os interessados em outras áreas, aqueles que até sabem interpretar, mas não se interessam pelo tema de Linguagens. Há aqueles inveterados que desejam adentrar em cursos concorridos, por isso, se esforçam para dominar o máximo de conteúdos distintos, por isso, conseguem interpretar melhor, talvez por esforço, ou então, por treinar com frequência. Eu sempre foco nas partes que engendram uma questão. Qual o enunciado? Há algum elemento na avaliação do ENEM, em outra parte da prova, que forneça pistas para o estudante encontrar a resposta? Qual comando foi solicitado no enunciado? E a eliminação das alternativas incorretas, para chegarmos mais próximos da correta. Sigo este caminho, algo que não é nenhuma novidade, inventado por mim, mas acredito que faça de uma maneira dinâmica, perspectiva que induzem os estudantes a se engajarem mais.

Outro ponto que me deixou bastante instigado foi a iniciativa “ousada” de adentrar por outras áreas, como a parte que versou sobre a Caatinga, do componente curricular Geografia. Você se sente à vontade trazendo a intertextualidade sem a presença de um profissional específico da área em questão?

Não vejo problemas, pois como professor de Linguagens e, em meu caso, docente de Comunicação Social, leitor voraz diletante e profissionalmente, estudo bastante antes de trazer algum conteúdo para a sala de aula. Nem sempre, por causa das agendas e compromissos, podemos nos unificar com os demais colegas para fazer uma atividade. Por isso, trouxe panoramicamente o mapa mental sobre a caatinga, vegetação predominante nos romances da geração de 30, citados em passagens do livro, em suma, um elemento adicional para compor a aula. Eles ganharam, guardaram e dúvidas maiores podem ser resolvidas indo até o docente da área em questão.

Os mapas mentais são uma parte crucial da “festa de aprendizagem” em suas aulas. Por que credita tanto valor para esta modalidade das metodologias ativas?

Os mapas mentais são conexões visuais de determinados assuntos, então permitem que possamos organizar os conteúdos estudados por meio de um design que vejo como lúdico. É um resumo de ideias, trabalhado dentro de uma perspectiva que me remete ao processo de pintura, enfim, uma proposta que acredito veementemente e tenho comprovações com base no desenvolvimento de meus estudantes de Ensino Médio e Ensino Superior. Nos mapas mentais, a pessoa pode desenhar, ligar elementos, demonstrar visualmente como compreendeu determinados assuntos. É lugar de emancipação da criatividade também.

Para terminarmos, observei que você trouxe produções mais antigas sobre o assunto, agora editadas, temas tangenciais ao romance Vidas Secas. Graciliano Ramos e a questão da literatura sobre o nordeste é parte da sua vida há quanto tempo?

Li o romance na época do vestibular, mas não teve o mesmo impacto que a entrada num grupo de pesquisa sobre os romances da geração de 30, projeto coordenado em Letras, na Universidade Federal da Bahia, pela professora Eliana Mara. Foram dois anos de mergulho na temática, uma jornada obsessiva por textos em bibliotecas, teses e dissertações de bancos de dados do CNPQ, bem como a compra dos livros deste período, para integrar a minha coleção de estudos e trabalho. Apresentei palestras, realizei oficinas, entrevistei teóricos da área, em linhas gerais, fiz um investimento profundo no assunto, algo que se desdobrou em minha prática em sala de aula. Adoro falar sobre Romantismo, José de Alencar, Geração de 45, Arcadismo, mas o Romance de 30 tem um lugar especial em minha trajetória, foram as obras trabalhadas em eventos acadêmicos que definiram quem eu sou hoje enquanto intelectual e docente.

Conversa realizada com o pedagogo Mizael Moreira, visitante da aula com os estudantes do 3º ano do Ensino Médio do Colégio Augusto Comte, em maio de 2022. O relato é parte integrante do livro Vidas Secas: O Legado e O Impacto Cultural do Romance de Graciliano Ramos (2022), lançado pela Vedas Edições.


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